Gustavo Valério

O Poeta Notívago

Decassílabo

De 4 Em 4 Anos

Imensidões de sepulcrais eventos
amortalhando os musicais e os fados
nas multidões de radicais isentos
esbugalhando angelicais sagrados…

Contrassenso

Amor que desmorona lentamente
na dor que se sucede devagar…
Rancor que renascendo conivente
conforta o coração a lamentar…

O Vulto

Eu vi aquele vulto na parede
tentando proteger alguma cousa
confuso como pássaro que pousa
na vastidão da noute, mas com sede…

Infinitus

Feroz saudade que bate no peito,
minaz desejo que cala meu sonho.
Atroz amor, castigante e suspeito
audaz carinho, dorido e medonho.

Entorpecente

Cortante qual adaga o peito fura
o teu amor singrou-me loucamente…
Tal gavião audaz na desventura
voei, chorando, ao céu entorpecente.

Os Organismos

O gás carbônico premeu os ares,
pulmões, amores, vidas e direitos…
Desvirginou corais rudimentares,
turvou os mares, antes tão perfeitos!

Graves Greves

Se grafas graves medos nas memórias
nas greves breves dos papéis diversos
o grito grifa dores mil em versos!
Das grossas grotas fogem as histórias:
em grupos grulham novos universos!

Os Domos

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
Alphonsus de Guimaraens

O Verde-lodo

O lodo putrefato nas cidades
tem lama, sangue e barro revolvidos
às lágrimas tristonhas de saudades
e a crimes impensáveis cometidos…

Eva

A tarde que retumba os vãos sabores,
a mesma que nos traz as alegrias,
sussurra bem baixinho dissabores
e arrasta-me por foscas rodovias…