Revertendo a Morte
Ao deus que não existe não suplico
nem ao deus que existe vou suplicar.
Os deuses não são de verdade, explico!
Mas tu não deixarás de acreditar!
Ao deus que não existe não suplico
nem ao deus que existe vou suplicar.
Os deuses não são de verdade, explico!
Mas tu não deixarás de acreditar!
O sonho escorregou, levou um baque
e o sonhador acordou num puxão.
Pulso acelerado, eis um breve ataque
há um choque por dentro do coração.
Ecoam na mente os ecos da morte
e velozmente escancaram meu corpo;
ecos retumbantes dum som mui forte,
profundo estímulo aloanticorpo…
Em mil novecentos e trinta e sete
o sangue humano transformou-se em tinta
a humanidade que a todos compete
foi ignorada e loucamente extinta.
O peso do mundo sufocando a morte
a morte sufocada, sufoca a vida
a vida sufocada, sufoca a sorte
a sorte sufocada é mal resolvida.
Olho p’ra o nada e não consigo ver
além do reflexo seco que sou…
Horizonte imitado é o meu ser,
minh’alma ilimitada hibernou…
A traição em tua porta bateu
e três vezes, o teu corpo, invadiu;
perfurou-te na noute à sangue frio,
pintou o chão de vermelho e correu…
Todo o céu está sangrento
chove sangue nos humanos…
São tempos diluvianos…
É preciso engajamento…
Cachoeira venenosa:
os meus olhos têm veneno
meu linguajar é ameno
minha morte é gloriosa.
O cimo celeste silencia o sino
em síntese sacra e silenciosa
sanciona sonhos na viciosa
noute suscetível ao vil destino
O sonho doce que se foi é santo
antecedeu a morte desejada
reconstruiu a longa e velha estrada
montou acordes do mais triste canto.
De sol em sol o amor andou tão solitário
e em voos abismais dissipou-se sofrido
em dor a reclamar do ódio comunitário
turvou a languidez do não-ser oprimido.
A vida não passa d’um perverso conceito
que sequestra tu’alma, teu corpo e teu desejo
e força-te a aceitar teu interno despejo
que despeja teu eu no próprio preconceito.
Os meus sonetos escorrem d’um corte
dentro de mim, desde o antigo inverno;
Dele provém versos sem qualquer norte,
nascem palavras no silêncio alterno.
Olhares pasmos, interpretativos
amargurados por grande tortura
refletem a morte, e na sepultura
espasmam os últimos sugestivos…
No timbre insano da música aflita
meu coração torna-se permeável
e na tortura interna e deplorável
ele sofre calado, mas milita.