soneto

Sem Razão

Hei-de pedir-te, amor da minha vida,

Que não te vás, assim tão de repente…

Meu peito gela e fica descontente

Imaginando a tua despedida…

Posso impedir-te, amor da minha vida,

De me partir, assim tão de repente?

Meu peito trava e sua, infelizmente…

Se eu falecer, serás bem-sucedida…

Muito me dói, no entanto, não me escutas…

Levas nas malas, roupas, dor e lutas…

Levas o meu pesado coração…

O sol se põe, e o meu amor se vai,

Levando os olhos deste amargo pai,

Que sofre e chora sem qualquer razão…

Gustavo Valério Ferreira

quarteto

Entropia

Muita vez acordo entorpecido

Em vales de ossos secos e aflições…

Disperso, à luz do sonho preferido,

Vago triste em outras dimensões.

Tinge, o medo incauto e repetido,

O céu azul de grandes vermelhões…

Contei, cantei e vi no colorido,

Manchas rubras vindo em convulsões…

Chuvas turvas chegam destruindo

As casas, almas, mentes, corações…

E penso estar chorando, mas sorrindo,

Desço ao caos da vida em distorções.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Finitude

Acordo no vazio grande

Enquanto o medo ao léu expande…

Voltei no tempo?

No peito tudo passa e chora…

Atroz saudade jaz lá fora…

Parei o tempo?

E passa assim: Aqui e ali

A morte sonolenta e rude.

Pai Nosso, nosso colibri

Morreu no caos da juventude!

Deus meu, o que será de mim

Diante dessa finitude?

A morte trouxe o grande fim

E, fraco, revidar não pude!

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Novo Mundo

Atônito morreu o grande brado…

É brando agora o pátrio braço forte.

A liberdade clama à própria morte…

Não soa mais o canto idolatrado…

Sem paz ou mesmo glória no passado,

O lábaro que ostenta interno corte,

Aguarda cura ou bem a quem reporte,

Enquanto o céu está avermelhado…

Iluminando a dor do Novo Mundo,

Gigante dorme o sono mais profundo…

Recorta, ao meio, os filhos mais gentis…

Justiça trava à Clava tão silente

E mata, devagar, a sua gente…

Afunda todo em sangue o meu país!

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Vela

Cadavérica morte que avança

Sob os leitos pesados do SUS,

Consumindo a cabal esperança

Dos coitados mortais que seduz…

Esquelética, fúnebre e mansa

Derramando colírios de pus

Sob olhares que esquálida lança

Entrecorta, divide e conduz…

A tal gripe que nada perdoa,

Colorindo de sangue a Coroa,

A cabeça do pobre esfacela…

Cem mil mortes, cem mil agonias!

Várias casas, famílias vazias…

Quanto custa um pacote de vela?

Gustavo Valério Ferreira

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