soneto

Alma

Minh’alma penando nas madrugadas
pagando pecados, esperando a hora
que este mundo a deixará ir embora
loucamente por escuras estradas.

E arrastando-se em eternas calçadas
ela grita, resmunga, canta e chora;
sua tristeza, aos poucos a devora
co’ antigas lembranças deturpadas…

Sua bondade, devagar, deflora
em novas memórias tão desgraçadas
que colidiram nos tempos, outrora…

E perdida entre outras almas penadas,
no vazio que em nada colabora
morre nas sombras anastomosadas.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Ela

Lá vem a minha querida donzela,
vem dançando entre os vendavais, tão pobre
e faz com que o tempo congele e dobre
nas ruas assombrosas da favela.

Anda, parando o vento com cautela
distraindo a todos com seu ar nobre
cegando-os do mal que seu mel encobre
da maneira mais mortal e singela.

O vento pérfido e candor descobre
que uma pureza divinal daquela
é algo raro e dalgum bem exprobre…

E descobriu que ela é uma sentinela
e o seu coração é um estranho alfobre
do mal e da morte que habita nela.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Violino Novo

Ganho vida ao tocar meu violino
e d’um sonho transcendental acordo
viajando em suas notas, transbordo
num mar calmo, pacífico e divino.

Um beija-flor me beija matutino
e eu, bem delicadamente, o abordo;
prendo-me em suas asas; vou à bordo
do acaso certo como peregrino.

Este céu azul me atrai e eu concordo
decolo sem medo num desatino
pois sou do céu! Sou livre como um tordo!

E voando em busca do meu destino
do meu novo violino, recordo
então volto ao meu mundo clandestino.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Minuto Longo

Tempo nada tem além da ilusão
que tudo detêm pois é a razão
que rouba veloz pedaços de vida;
o tempo é algoz, é fera ferida…

É morte a matar, é uma diástole
de vida a findar na última sístole…
É brisa do mar na eterna partida;
leão a bradar - paixão elidida…

E nada farei num longo minuto
calado chorei num pranto fajuto
O tempo é o rei de todos os lutos.

Meu sonho já foi em casos volutos
deixados depois num raso estatuto.
Morremos nós dois - tempo tem tributo.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Queimação

A morte indolor pegou-me de jeito
O sonho acabou de ser imperfeito
Lágrima que dói e deixa ferida
rápida, corrói a gota da vida…

Sem sono pretendo ofuscar a luz
que não compreendo, assaz me seduz
trava, queima e turva essa morte senra
retorce e recurva a minh’alma tenra…

A morte fugaz, no obscuro conduz
essa amarga paz que imperfeita induz
o cruel cordão que força essa lida

numa queimação forte e imerecida.
Morte desejada, amante do fim
Vida mal passada encontra estufim.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Penumbra

Como preso fiquei neste anoitecer maro
Estranho ao que sei; meu belo dia penumbra
Absorvendo esta luz que a alegria ressumbra
o tenro medo induz - futuro - mal ignaro.

Necessário calor escurecendo o claro;
É doce, a gentil dor, nosso fôlego lumbra…
A vida é torpor que nos dias obumbra
chamada só de amor, pros loucos anteparo.

A morte é o condão que no humano vislumbra
E o nosso coração, tão fraco se deslumbra
e morto, vai ao chão, vê na cova um amparo.

E fiquei preso aqui, onde o canto reslumbra
E num vulpino fim, a alma, cansada, alumbra
e no último sorrir, paga o preço mais caro.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Novo Lar

Esta vil sensação causa-me uma amargura
que me derrete atroz, matando-me de novo…
E no triste sofrer noutras lágrimas chovo
cansado de morrer nesta densa ternura…

Não há fogo a queimar mas este mundo é covo
e as torturas aqui são parte da cultura…
Sensação do que fui é abreviatura
mediante o que sou neste inferno retovo…

E sofro nesta dor, perco até a postura
neste mundo sem cor de cruel tessitura
em que há amargo mel, que amargamente provo…

Mas é meu novo lar, minha nova estrutura
Aqui, quero reinar; serei outra criatura…
Quando se apaga a luz, todo o teu mundo estrovo.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Despertar

O inferno é aqui. Assim desperto
e quieto, abro os olhos e percebo
que ao acordar nesta terra, recebo
somente amargura; assim desconcerto.

Na sociedade como um mancebo
observo tudo; vejo o mal coberto,
consigo sentir o terror de perto,
quanto mais da realidade bebo.

E desenhando meu destino incerto
projeto nele, todo o mal enxerto
enquanto graça ao demônio, concebo…

E de todo o sentimento, liberto
enfrento o inferno; com o obscuro flerto
e infiro que a bondade é placebo.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

A Lua

Presa neste céu solitário, a lua
vai morrendo nas noites devagar;
enquanto nós dormimos, a sonhar,
os poetas sua morte atenua…

Talvez já seja o fantasma da lua
na escuridão longínqua a postergar
a morte que cedo ou tarde virá
(a morte que co’ a vida compactua)…

E quando este dia ruim chegar
a lua, aos poucos, se apagará
na solidão terna que à noite estua…

Sem enfeites o céu não brilhará,
o namorado não namorará
e o amor perder-se-á no meio da rua…

Gustavo Valério Ferreira

soneto

A Coruja

Está escuro e a coruja aparece
voando e emitindo seu som temido
horripilante canto num grunhido
de medo, até a alegria fenece.

E esse medo, em mim, inda permanece;
em arrepios, fico estarrecido,
sem qualquer ação, travado e tolhido…
Só me resta iniciar uma prece.

A coruja, num eco combalido
deixou-me levemente entorpecido
e assim, minha vaga vida esmorece…

E a coruja, num ataque aturdido
pegou-me no escuro, desprevenido,
comeu os meus olhos… A morte amor tece…

Gustavo Valério Ferreira

soneto

O Lobo

As madrugadas surgem assombrosas
e o lobo, do mal, por elas vagueia
uivando às sombras que à noite permeia
em densas trevas, nuvens tenebrosas…

A lua, solitária em pesarosas
fumaças, é sua única plateia…
Lobo solitário, sem alcateia
nas noites em caçadas melindrosas…

Uivando e chorando… Por sangue anseia
em desejos carnais de carne alheia
em fomes notívagas e onerosas…

Morte noturna, sua dispineia,
mata vagarosamente a sua ideia
de jantas fartas e voluptuosas.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

O Lobo, a Coruja e a Lua

Uma águia na noute, assusta a coruja,
e um uivo sombrio logo é ouvido
num som de asas no escuro interrompido,
um medo que mata e a morte é lambuja…

Uma lua disforme e garatuja
presa num céu obscuro e introvertido
a perder tempo e a perder o sentido
e perdendo tanto, a lua maruja…

E da ave noturna, ouve-se o gemido
e num eco retumbante e oprimido
foge na escuridão, a dita cuja…

O lobo desiste; está convencido
que outra vez ouvirá aquele gemido
num luar e numa janta rabuja.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Tempos Lilithianos

Estamos em tempos lilithianos.
Tempos sombrios, amargos e densos
onde os tormentos são bem mais intensos
e arrastam-se por entre os longos anos.

A lua nasce sem meridianos
e morre devagar; sonhos suspensos
e vazios, com horrores apensos
amedrontam até sumerianos.

Adúlteros morrem em seus pretensos,
violentos não serão mais infensos
e não causarão nenhum mal, nem danos.

Aqueles que são oprimidos, tensos
na dor da vingança estarão propensos
a eternizar tempos lilithianos.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Fusão

Nossas mentes obscuras e maliciosas
abismaram-se enquanto faziam o mal;
Iludidas distorceram o mapa astral
enquanto cantarolavam vitoriosas.

Começaram um amor eterno abismal
por entre as nuvens pálidas e nebulosas
Voavam entre o céu e o inferno orgulhosas
juravam horrores num canto matinal.

Assim viveram estas vidas mentirosas
e cruzando dados em somas escabrosas
ganharam tudo, mas perderam a moral.

Nossas mentes insanas e perniciosas
fundiram-se em metas doudas e desastrosas,
mataram-se num poema descomunal.

Gustavo Valério Ferreira

soneto

Último Voo

Maria acordou mui fraca e sem força
e fez extrema força p’ra acordar
e de dor sentiu o âmago amargar
amordaçada em sua vida insossa.

E inda fraca, tentou, triste, voar
mas somente afundou na amarga poça
a sua mocidade; pobre moça
sentiu-se velha e pôs-se a lamentar.

A ave desaprendeu a bater asas
então pôs-se a andar em covas rasas,
e sem velocidade alcançará

somente aquele fogo quase em brasa
e que somente queima, e não enfasa
os pesados e mortos, a voar.

Gustavo Valério Ferreira

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