soneto

Meus Sonetos

Os meus sonetos escorrem d’um corte
dentro de mim, desde o antigo inverno;
Dele provém versos sem qualquer norte,
nascem palavras no silêncio alterno.

Os meus sonetos não têm grande porte
mas pretendo que cada um seja eterno;
que acalme, amanse, sufoque e conforte
todos que me leem como fraterno.

Meus sonetos são névoas de suporte
que transpassam dos olhos ao esterno
destroçando más neblinas de sorte.

Não sou poeta e fujo do superno
enquanto faço poemas à morte
versificando este meu próprio inferno.

Gustavo Valério Ferreira

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Tortura

Olhares pasmos, interpretativos
amargurados por grande tortura
refletem a morte, e na sepultura
espasmam os últimos sugestivos…

Olhares silenciosos, cativos
espelham uma alma vil, quase pura
a respirar morte na desventura
de pesadelos reais e abortivos.

A dor é sentida como ternura,
e o fel como mel; triste criatura
co’ efeitos colaterais cognitivos…

O amor à vida torna-se sutura;
E o algoz tornou-se autor da estrutura
que fez o sapiens primitivus.

Gustavo Valério Ferreira

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Aflição

No timbre insano da música aflita
meu coração torna-se permeável
e na tortura interna e deplorável
ele sofre calado, mas milita.

Tenta fugir das notas que limita
e soltar-se da corda miserável
que o faz sofrer do mal inenarrável
tão denso que até o impossibilita

de ser bem mais que um pulso inigualável
na sinfonia interior erudita
da música sacra indissociável…

E a música externa sem paz conflita
co’ essa música interna inexorável
que faz noss’alma ser cosmopolita.

Gustavo Valério Ferreira

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À Porta

Olhos graves, a morte bate à porta;
na hora do medo até o tempo congela…
O coração pulsa sugando a aorta
pois por dentro dele há uma procela…

O ar esfria, a maçaneta se entorta,
escondo-me rápido, com cautela,
nesse momento, nada mais importa
somente me livrar dos rastros dela…

Cheiro de enxofre… Meu nariz suporta…
A morte tenta entrar pela janela
porém a fechadura está mui torta…

E volta à porta como sentinela
com tanta força, a porta não suporta…
A morte deixou só minha chinela.

Narração:




Gustavo Valério Ferreira

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Uni Versos

Da galáxia mais distante do verso,
na imensidão escura e redundante,
no espaço-tempo lírico e instigante,
ergue-se o epicentro controverso.

Objeto humanoide, reles e adverso
não estuda o obscuro e inda ignorante
considera-se obra-prima impactante
num pedaço de Terra e céu disperso.

Sou só poeira estelar meliante
resultado do acidente transverso,
ignição desta vida petulante.

Sou humanoide e também sou perverso
mas nunca fui vital ou importante
p’ra a existência de qualquer universo.

Gustavo Valério Ferreira

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Infinito

Escafedeu dos seus olhos, o grito
num forte ímpeto quebrou seu pescoço;
foi um baque retumbante - alvoroço!
foi um som triste, mortal e erudito.

Foi um voo planejado, restrito;
não houve emoção, razão ou esboço
desse plano final, fatal, insosso,
do medo de enfrentar qualquer conflito.

O tempo parou e afundou no poço,
o mundo sem tempo tornou-se aflito,
o poço era fundo; o tempo remoço.

Olhos fixos, horizonte contrito
estilhaçando ao estilhaçar do osso
quebrando as juntas do meu infinito.

Gustavo Valério Ferreira

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O Grito

Dorme tarde e mui cedo se levanta,
vive somente para trabalhar;
…Ainda sabe o que é transpirar
pois no olhar triste a lamentar, decanta.

E seu lamento aos poucos se agiganta
a sua vida quase a suplantar;
recolhe-se ao léu, sem céu p’ra voar,
choca-se no ar, na terra se aquebranta…

Em pedaços no chão a se espalhar
numa velocidade que abrilhanta
queima-se na luz, véu subliminar…

De tanto tentar, a morte suplanta
a vida fraca ainda a respirar
no último grito preso na garganta.

Gustavo Valério Ferreira

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Orbe da Morte

Não vês! Não é a vida que me anima
tampouco a busca por felicidade;
Não! Não é o futuro da humanidade
que nos fará recalibrar o clima.

Destruímos o planeta obra-prima
saciando nossa necessidade;
a natureza em flor, em puberdade
desfez-se em sonho breve, sem colima.

Nossos planos sem reciprocidade
são como aquela bomba de Hiroshima
pronta pra luzir com sonoridade.

O orbe da morte compõe a rima
e as luzes solitárias da cidade
desconhecem o mal que se aproxima.

Gustavo Valério Ferreira

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Punhal

A voz dela amor exala;
seu perfume é um segredo
da bondade é arremedo
é sofrer em grande escala.

Ela, brandamente fala
e seu linguajar é ledo
que me condena ao degredo
e põe-me numa senzala.

Por seu caro amor, excedo
a razão como uma bala
inda me perco, de medo…

E como haverei de amá-la
se eu aprendi desde cedo
não amar quem me apunhala?

Gustavo Valério Ferreira

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Joaninha

Alguns humanos são como erva daninha
afirmam saber quase toda a ciência
porém para obtê-la, não têm paciência
e sobrevivem numa vida mesquinha.

Na mesquinhez proclamam em ladainha
que conhecem da natura humana, a essência
e experientes na arma da prepotência
sequer andam, voam como uma fadinha…

Somente alimentam a concupiscência
de crer que quase tudo é um probleminha
que logo se desfará em leniência…

E presos dentro desta ignóbil caixinha
não conseguem explicar com competência
o segredo das asas da joaninha.

Narração:






Gustavo Valério Ferreira

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Sorte

Sorte é importante no status quo
desta sociedade; é adereço
que serve também como um endereço
que leva o mundo a um estado oblíquo.

E lá não há ajuda nem de propínquo
e é improvável obter recomeço
antes de pagar todo e qualquer preço
de abusar deste recurso longínquo.

É certo saber antes do tropeço
que a sorte é o caminho mais avesso
cujo destino é um lugar iníquo.

Pela sorte não tenho algum apreço,
faço só, o meu fim e o meu começo
e este modo de viver é relíquo.

Narração:






Gustavo Valério Ferreira

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Extraterrestre

O teu amor por mim é extraterrestre
e excede o que posso compreender…
Tu tentas, aos poucos me reviver
mas sou vazio e da frieza, um mestre.

Desejas-me há muito mais d’um semestre
e mediante a teu tanto sofrer
sequer aparentas desfalecer…
És mui jovem porém forte; és rupestre.

Esse modo estranho de me querer
diferente e difícil de entender
corre em meu coração feito um pedestre.

E eu, mui louco, mas tentando aprender
como é que faço para reacender
minh’alma morta, gélida e terrestre.

Narração:






Gustavo Valério Ferreira

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Amálgama

A eterna saudade que hei de sentir
haverá de me matar lentamente
e pranteando copiosamente
tento, no inferno, não imiscuir.

Parece impossível desconstruir
as lembranças tuas na minha mente
que aparecem e exponencialmente
tentam rapidamente me excutir…

Morrestes, mas voltas frequentemente
a visitar meus sonhos; e a sorrir
matas-me com teu amor comovente.

Eu já não consigo mais te impedir
pois nosso fim é, paradoxalmente
a nossa única forma de existir.

Gustavo Valério Ferreira

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Eterno Descanso

Eis que o fim está próximo, digo,
logo, toda a dor há de findar
e de toda a paz poderei gozar
sem ter o tempo como inimigo.

Espero solitário e consigo
por muito mais, ainda esperar
aguardo a paz contextualizar
o descanso que terei como amigo.

Não preciso sequer agonizar
pois não existe sombra de perigo
que seja capaz de me atrapalhar…

Terei o descanso como castigo,
vida e morte num harmonizar
bem dentro do meu eterno jazigo.

Gustavo Valério Ferreira

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Última Queda

O amor à vida apenas nos azeda
torna-nos amargos e ignorantes
ácidos, egoístas e arrogantes
alimentando aquilo que nos veda.

Tal amor, nossa cegueira leveda
em visões singelas e contrastantes
que se destacam em interessantes
situações que o egoísmo enreda.

O amor à vida traz exorbitantes
preços obscuros e decepcionantes
e exige nossa alma como moeda.

Vivemos a vida como imigrantes
deste amor que nos torna coadjuvantes
’té acordarmos na última queda.

Gustavo Valério Ferreira

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