Gustavo Valério

O Poeta Notívago

O ACIDENTE

Gustavo Valério Ferreira

Desaceleração, brusca frenagem…
barulhos, gritos… Vozes inconstantes;
gemidos, sangue… Dores extasiantes
na palidez de estática paisagem…

Sombra atônita, tácita e selvagem
infeccionou os ares instigantes
com medos, fatos, cores perfurantes
e também com fatal e eterna viagem…

Olhos fechados, corpos bem abertos
na avenida dos casos mal cobertos
há flagrantes flagrados por normais.

O tão nobre acidente cotidiano
teve a repercussão mais forte do ano.
Quem disse que os valores são iguais?

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MANTOS ABISMAIS

Gustavo Valério Ferreira

Que do abismo ressurjam densos mantos
escurecendo os traumas dos bons servos;
que os lobisomens comam os eus protervos
que se fingem de bons; de mestres santos.

Desçam, ó chuvas negras, pelos cantos
asmáticos dos homens; dos seus nervos
arrancando sem dó os vis acervos
maléficos que são tontos e tantos…

Ó mantos negros, véu de morte e sorte
desate-se nos pravos e os aborte;
corte o mal pela raiz antes que cresça.

Chuvas venosas, chuvas redentoras
expurgue as tezes más e malfeitoras
com a tua mais funérea lama espessa!

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DUAS ESTRELAS

Gustavo Valério Ferreira

As brilhantes figuras que fulguras
nesse puro semblante imaculado
trazem-me alento; sinto-me sagrado
por tamanha leveza e por ternuras.

Despejas ternos brilhos às escuras
noites gélidas sobre o meu mofado
e tenro peito e queima-o! Já viciado
estou nesse candor de belezuras!

E quando eu sinto o peso do teu brilho
comprimindo minha alma, livre trilho
em pistas siderais. Como esquecê-las?

Impossível perder tais céus tranquilos
clareados pelos sóis dos teus pupilos
pois os teus olhos são duas estrelas!

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DUAS LUAS

Gustavo Valério Ferreira

Ó formas circulares, róseas, belas
formas perfeitas, mágicas, divinas!
De delícias supremas, cruas, finas
das panteísticas formas paralelas!

Fórmulas doutras formas, das singelas
noites quentes, sonoras, cristalinas…
Ó formas geradoras de neblinas,
de cantos matinais de áureas gazelas!

Formas aveludadas, castas, leves,
perfumosas e suaves como as neves
pálidas e sutis dos meus anseios.

São as formas das fórmulas mais puras
das quimeras sensuais das formosuras
são as luas celestes dos seus seios!

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COMPOSTOS DESCULTURAIS

Gustavo Valério Ferreira

Coliformes fecais em letra e verso
nas linhas purulentas dos compostos
dos músicos modernos do perverso
conceito e dos coprólitos expostos!

Líricas infernais, ralés impostos
roubados dos ouvintes do universo;
Dissimulados néscios bem dispostos
a lucrar o regalo controverso.

Tais produtores são alcoviteiros
dos intérpretes fracos e albardeiros,
portadores ignóbeis duma insana

descultura nojenta, dejeta e oca…
Representam um grupo onde a boca
faz a mesma função da cloaca humana.

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O VERBO POBRE

Gustavo Valério Ferreira

Os sonhos doudos doutros homens domam
os sonhos desses homens que não pensam.
Homens que comem, cansam mas condensam;
que casam, caçam, cantam mas não somam…

Os planos toscos doutros bichos tomam
os planos bons dos bichos que compensam.
Bichos que traem para que outros vençam
que roubam, matam para que os seus comam.

Bicho-homem, homem-bicho no lixão
terrestre tal campestre cava o chão
à procura dos restos que lhe restam…

Pobre homem, bicho pobre no caixão
da má sorte minguando o corte à mão
formal dos santos pravos que lhe crestam.

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TRAÇOS

Gustavo Valério Ferreira

Trago traços e traumas intratáveis;
são travas que me trancam e atrapalham
os transes cerebrais que mui trabalham
mas não traduzem fatos imutáveis…

Transcrevo os trapos, tratos degradáveis
que trazem à luz tramas que se espalham
em trágicos lençóis crus que achincalham
minha vida de trevas transitáveis.

São trágicas heranças trapaceiras
genéticas triviais alvissareiras
destroços imortais das travessias.

Transmudam-me com trajes de vergonha
transladando e velando a alma que sonha
transcender-se no espaço em ondas frias.

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MAIS UMA DOR

Gustavo Valério Ferreira

Mais uma dor que chega, chega e fica
trepidando no peito amargurado
despedaçando o amor desperdiçado
dentro do coração que petrifica.

É um raio que nada significa
nesse círculo atroz agalopado;
é viagem pelo tempo tresloucado
que nos mata, nos sangra e estratifica!

E essa dor que chegou amordaçando
o breve sonhador que soluçando
acorda em choro e pranto alucinado

Vai no seu peito preto congelando
as sensações que outrora memorando
o tornara capaz de ser alado!

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O PONTO

Gustavo Valério Ferreira

Há um ponto final nas frases dessa vida.
É o ponto normal que no corpo ponteia.
Ponto-fogo fatal que até nos desnorteia.
Ponte paranormal d’água desconhecida.

Há uma queda abissal no infinito da lida
anexa ao laboral transpirar de cadeia
na prisão do eu real embasado na areia
atômica hiemal e biopesticida.

O ponto pontual faz parte duma teia
finita, universal, sacra e liberticida;
O ponto acidental do início que incandeia…

O tal ponto é igual e qualquer um liquida
Sendo do bem ou mal mesmo assim te permeia.
Há um ponto final nas fases dessa vida.

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POEMA TRANSVERSO

Gustavo Valério Ferreira

Há milhares de sóis no universo do verso,
há galáxias de luz luzindo belas rimas,
há grandezas além do que tu vês e estimas:
cada letra é um sol no verso do universo.

Os satélites são os acentos no inverso;
são luas naturais das belas obras-primas
que o poeta transcreve açorado de enzimas
nos lívidos papéis do pensamento imerso.

Há vida inconsciente em poemas que estimas
e aventuras cabais no texto mais adverso
mesmo nos abismais há variados climas!

Vida subliminar no poema transverso:
sujeitos, orações, verbos que subestimas
quando não lês ou vês o profundo do verso!

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ABRAÇO ESCURO

Gustavo Valério Ferreira

Não foi a morte quem abraçou a minh’alma
foi minh’alma soturna e asmática e devassa
que co’ ela se abraçou. Entregue a vida crassa,
não houve alternativa: A morte trouxe calma.

Em busca duma cura abissal p’ra o seu trauma
calmamente voou. A liberdade grassa
na sua mente solta e livre e leve e escassa…
Muito tempo se passa e agora há grande encauma.

Depois do abraço escuro, o mundo alou sem graça
e o espírito lesto ocupara o eixo d’alma,
causando-lhe uma dor alva que lhe transpassa…

Gritos azuis de dor; o inferno fogo espalma
e no fogo a alma surge envolta em biomassa.
O inferno me devolve a vida como agalma.

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LETRAS DE SANGUE

Gustavo Valério Ferreira

Meus diversos boçais textos, irreversíveis
em folhas de papéis vivos, brancos, funestos;
expressões anormais de anseios vagos, lestos;
gritos rotos sem paz, lágrimas descritíveis…

Letras de sangue e fel em versos insensíveis
abala a pouca fé, assoreia meus restos
no interno escurecer dos desejos honestos;
meu sangue em verso e prosa aqui: vozes fusíveis.

Meu choro apenas é sombra dos manifestos
das letras que não são simples indivisíveis
mas revelam somente os meus eus indigestos.

Meu soneto contesta e sangra em rimas críveis,
suas estrofes são ossos podres, infestos
de morte enquanto lês meus lírios desprezíveis.

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PARA FORA

Gustavo Valério Ferreira

Entrar fora do mundo ousando descobertas
exigiu ambição e gran’ tecnologia;
Vermelhos Sociais dalém da guerra-fria
criaram nova base e geraram alertas…

Ousaram ir além das certezas incertas
das trêmulas ações de assaz topologia;
orbitaram no espaço e em bem menos de um dia
a Vostok 1 deixou as nações boquiabertas!

A Torre de Babel gerou isonomia
e também validou Vaga Democracia.
Gagarin foi O Herói das almas vis e espertas.

E fora do ovo azul, chorando de alegria
Yuri sente o sabor d’alma em epifania;
não enxergando deus viu galáxias abertas!

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GRAVES TINIDOS

Gustavo Valério Ferreira

Os sons da morte têm vida e graves tinidos;
metálicos faróis de pólvora ecoando
na cabeça sangrenta; há almas ressoando
no espaço assustador de astros desconhecidos.

Os ecos musicais dos sons indefinidos
sinéreses de dor e prazer percolando
os olhos num fitar fatal, perambulando
o corpo e o corte em tons de azuis envilecidos.

O caso é casual mas vem nos destroçando,
e cala, castra e queima os sonhos coligidos
sem ao menos nos dar qualquer tempo sobrando…

Os sons da morte são espasmos suprimidos
das notas imortais do eu finito acordando
enquanto a carne é morta ao léu dos esquecidos.

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DESTROÇOS INTERNOS

Gustavo Valério Ferreira

Neste eterno arrastar, destroços e cabelos
estão a revoar em sonhos desprezíveis
querendo ultrapassar os mais difíceis níveis
da vida crua em flor; conseguirei vencê-los?

Neste interno arrastar dos ossos e cabelos
estou a me matar em lutas impossíveis
as quais não vencerei pois são imprevisíveis
mas não desistirei, enfrento os pesadelos!

No intenso amortecer das vidas imiscíveis
eu rastejando vou sozinho combatê-los
sem ajuda qualquer dos homens insensíveis…

O tenso amanhecer não derreteu os gelos
de sangue já sem cor, marcas inesquecíveis
da minha guerra atroz, dos próprios atropelos.

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IM[PACTO]

Gustavo Valério Ferreira

O verbo ódio nasceu e causou grande impacto;
à luz escureceu esplendorosas vozes
desfazendo o apogeu das vítimas e algozes
ruindo a solidão num modo mais compacto.

A vítima sem deus pressente-se coacto
ao nascer do não ser das emoções ferozes;
política cruel de milícias velozes
em polícias fiéis ao depravado pacto.

A vendida nação entregue aos albatrozes
espera salvação dos homens mais atrozes
de secos corações - bem mais secos que um cacto.

O verbo ódio floriu em caras simbioses;
O fantasma sorriu gerando apoteoses
e o tempo lhe partiu mas não ficou intacto.

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