Gustavo Valério

O Poeta Notívago

Cachoeira Venenosa

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Cachoeira venenosa:
os meus olhos têm veneno
meu linguajar é ameno
minha morte é gloriosa.

Recito esta quase-prosa
um poema quase-obsceno
complicadamente pleno
na noute silenciosa.

Minha vida é só veneno
meu falecer é sereno
minha queixa é pesarosa…

Mas se meu verso é ameno
sou um poeta pequeno
minha vida é mentirosa.

O Cimo

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

O cimo celeste silencia o sino
em síntese sacra e silenciosa
sanciona sonhos na viciosa
noute suscetível ao vil destino

Sobrepuja salmos co’ o mal divino
segrega os segredos da audaciosa
morte do sucesso à misteriosa
sincronização do lutuoso hino.

O cimo da ciência alcança e goza
o sino de carne que pulsa à prosa
versando sem ritmo, sem inquilino.

E a síntese sacra já melindrosa
sacode o peitoral na nebulosa
vida que faz do humano um dançarino.

Quebrado

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

O sonho doce que se foi é santo
antecedeu a morte desejada
reconstruiu a longa e velha estrada
montou acordes do mais triste canto.

Dissipou-se no mais sincero encanto
erigiu-se e voou sobre a lufada
plainou a liberdade imaculada
chocou-se contra o chão e chorou tanto…

Chorou sangue na noute revirada
deixando toda a terra ensaguentada
e o ar contaminado co’ amianto.

E a noute pura agora deturpada
penumbra em vida, morte e o nada
na insônia amarga do espanto.

Pulso Solar

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

De sol em sol o amor andou tão solitário
e em voos abismais dissipou-se sofrido
em dor a reclamar do ódio comunitário
turvou a languidez do não-ser oprimido.

E esse ódio visceral no peito temerário
move o magma imortal no espaço comprimido;
pulsando à explosão do dia embrionário
expandindo a visão em fogo compelido.

De sol em sol o aval tornou-se hereditário;
cada raio solar em trevas envolvido
era vida a gerar um novo sedentário.

E aquele turvo amor, etéreo embevecido
em ondas orbitais - céu interplanetário -
foi pulso inicial do breu desconhecido.

O Sino

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

A vida não passa d’um perverso conceito
que sequestra tu’alma, teu corpo e teu desejo
e força-te a aceitar teu interno despejo
que despeja teu eu no próprio preconceito.

Ocorre diariamente sem respeito;
tua vida é apenas algum remanejo
que te mantém sobrevivendo num latejo
bem sistemático, estruturado e suspeito.

E vivendo enquanto morto neste cortejo
não respiras mais; falas mudo num solfejo
tentando convencê-los para ser aceito.

E asmático na luta sem qualquer traquejo,
vives na densa lama como um caranguejo…
Quebrou-se o sino que badalava em teu peito.

Meus Sonetos

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Os meus sonetos escorrem d’um corte
dentro de mim, desde o antigo inverno;
Dele provém versos sem qualquer norte,
nascem palavras no silêncio alterno.

Os meus sonetos não têm grande porte
mas pretendo que cada um seja eterno;
que acalme, amanse, sufoque e conforte
todos que me leem como fraterno.

Meus sonetos são névoas de suporte
que transpassam dos olhos ao esterno
destroçando más neblinas de sorte.

Não sou poeta e fujo do superno
enquanto faço poemas à morte
versificando este meu próprio inferno.

Tortura

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Olhares pasmos, interpretativos
amargurados por grande tortura
refletem a morte, e na sepultura
espasmam os últimos sugestivos…

Olhares silenciosos, cativos
espelham uma alma vil, quase pura
a respirar morte na desventura
de pesadelos reais e abortivos.

A dor é sentida como ternura,
e o fel como mel; triste criatura
co’ efeitos colaterais cognitivos…

O amor à vida torna-se sutura;
E o algoz tornou-se autor da estrutura
que fez o sapiens primitivus.

Aflição

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

No timbre insano da música aflita
meu coração torna-se permeável
e na tortura interna e deplorável
ele sofre calado, mas milita.

Tenta fugir das notas que limita
e soltar-se da corda miserável
que o faz sofrer do mal inenarrável
tão denso que até o impossibilita

de ser bem mais que um pulso inigualável
na sinfonia interior erudita
da música sacra indissociável…

E a música externa sem paz conflita
co’ essa música interna inexorável
que faz noss’alma ser cosmopolita.

À Porta

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Olhos graves, a morte bate à porta;
na hora do medo até o tempo congela…
O coração pulsa sugando a aorta
pois por dentro dele há uma procela…

O ar esfria, a maçaneta se entorta,
escondo-me rápido, com cautela,
nesse momento, nada mais importa
somente me livrar dos rastros dela…

Cheiro de enxofre… Meu nariz suporta…
A morte tenta entrar pela janela
porém a fechadura está mui torta…

E volta à porta como sentinela
com tanta força, a porta não suporta…
A morte deixou só minha chinela.

Narração:

Uni Versos

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Da galáxia mais distante do verso,
na imensidão escura e redundante,
no espaço-tempo lírico e instigante,
ergue-se o epicentro controverso.

Objeto humanoide, reles e adverso
não estuda o obscuro e inda ignorante
considera-se obra-prima impactante
num pedaço de Terra e céu disperso.

Sou só poeira estelar meliante
resultado do acidente transverso,
ignição desta vida petulante.

Sou humanoide e também sou perverso
mas nunca fui vital ou importante
p’ra a existência de qualquer universo.